segunda-feira, 4 de junho de 2012

Noir

 
       Checo o endereço duas vezes, "Rua Lincoln, número 13". Sim, é lá mesmo. Abro a enorme porta de vidro fosco e entro na casa fumacenta e escura. Dou uma levantada discreta no vestido e olho em volta para ver se há alguma cara conhecida. Ainda bem que não encontro nenhuma. Me dirijo ao bar. A banda está tocando versões sem graça de músicas de Gershwin e Glenn Miller.
       "Dry Martini. Mexido, não batido."
       Enquanto espero meu drink, decido acender um cigarro. Tiro a piteira da bolsa e coloco-a na boca, quando sou surpreendida por uma mão me oferecendo um isqueiro aceso. O homem por trás do isqueiro é baixinho e pouco atraente. Parece ter confiança demais para alguém com uma aparência tão sem graça.
       "Allow me, darling." − acendo meu cigarro e o garçom coloca meu drink no balcão − "Bill, esse drink e tudo o que a moça beber hoje a noite é por minha conta."
       "Não se preocupe, consigo viver sem gentilezas de homens que não conheço."
       "Não seja por isso. Francis Sinatra. Mas pode me chamar de Frank, baby."
       "Prazer, Lola."
       "Lola, o que um broto como você está fazendo sozinha em um lugar com uma clientela mal-intencionada como esse?"
       "Quem disse que eu sou bem-intencionada?"
       Frank estava prestes a dar uma respostinha inteligente quando foi interrompido por dois homens bêbados que entraram no bar fazendo um escarcéu.
       "Dean! Sammy! Venham cá, seus cães!"
       "Garota nova, Frankie?"
       "Essa é Lola. Conheci-a hoje e ela diz que não tem boas intenções nesse lugar." − Os homens começaram a rir e assobiar. Revirei os olhos e tomei mais um gole do Martini − "Esses são meu bando de ratos. Esse é Dean Martin e esse é Sammy Davies Jr."
       Dou um sorrisinho amarelo e viro o resto do drink.
       "Senhores, acho que devo ir. Obrigada pela bebida, até a próxima vida."
       "Onde você pensa que vai? Você vai ficar aqui com a gente. Bill, limpa a mesa perto do palco para nós."
       Sem muita relutância obedeço Frank e vou me sentar com os homens. Pressinto que tem boa coisa vindo.
       "Bogie! Puxa uma cadeira e senta aqui."
       Olho para a porta e vejo o homem de sobretudo caqui e chapéu Fedora se aproximando. Ele tem muitas rugas na testa e olheiras profundas por causa da bebida. Suas unhas e dentes são manchados de cigarro, mas isso não o torna um homem feio, pelo contrário.
       "Hey, Frankie. Como vai, Dean? Como vai, Sammy?" − diz em uma voz rouca − "Olá, sou Humphrey Bogart, mas me chame de Bogie."
       Ele se senta silenciosamente ao meu lado como se nunca tivesse me visto antes. Os outros três o chamam para jogar sinuca e ele recusa. Ficamos parados olhando a banda sem trocar uma palavra. Como ele é bom nesse jogo!
       "Garçom, um whiskey. Três pedras de gelo. Você quer algo?"
       "Um whiskey também. Cowboy."
       Bogie me olha incrédulo, mas não diz uma palavra. Ele sabe que tramei algo e tenho certeza de que suspeita de alguma coisa, mas decido continuar jogando o jogo dele.
       Nossos whiskeys chegam e a banda dá espaço para uma mulher de cabelos escuros com um vestido de veludo azul que canta uma balada de amor brega dos anos oitenta.
       Tomo meu whiskey rapidamente e olho para o relógio. Onze horas já! Bogart percebe, mas mantém sua calma de sempre.
       "Preciso ir." − recolho rapidamente meus pertences e deixo uma gorjeta para o garçom.
       "Você não vai a lugar nenhum, baby." − diz Bogie segurando meu braço com certa força. Olho para baixo e vejo que tem uma arma apontada para mim.
       Me desvencilho dele e saio com pressa até a porta. Entro no carro e vou o mais rápido possível.
       "Scheiße." − pelo retrovisor vejo que ele está me seguindo.
       Paro no posto de gasolina e vendo que ainda está atrás de mim começo a flertar com o frentista. Bogart sai do carro e finge abastecer seu tanque.
       "Moço, onde tem banheiro por aqui?" − digo com ar inocente.
       "À direita, dona."
       Vou até o banheiro e me tranco. Ainda bem que tem uma janela! Jogo os saltos no lixo e subindo na privada consigo escapar pela janela. Saio correndo e peço carona na estrada para uma senhora idosa. Abro o espelhinho do para-sol e dou uma retocada no pó e no batom. Até que enfim posso seguir meu caminho sem perturbações.
       Chegando na casa toco a campainha. Ele abre para mim com aquela cara de acabado e bêbado que eu tanto odeio. A camisa está suja e amassada e os cabelos grisalhos cheirando a charuto.
       "Olá, querida." − diz me dando um beijo − "Como foi seu dia?"
       "Ótimo." − respondo indo em direção à sala de estar, sem muito entusiasmo − "As crianças já estão na cama?"
       "Não, estão esperando a mãe deles dar um beijo de boa noite."
       "Herbert! Quantas vezes eu tenho que dizer que não é para eles me espera...." − interrompi a frase no momento em que percebi que não estávamos sozinhos.
       "Querida, esse é Humphrey, um velho amigo meu."
       "Olá, senhor Humphrey. Prazer em conhecê-lo."
       "O prazer é meu, senhora." − ele diz com seu tom irônico tão típico, levantando as sobrancelhas.
       "Herb, coloque as crianças na cama, sim? Eu entretenho nosso convidado enquanto isso."
       Como um cachorrinho, o marido sobe as escadas, deixando nós dois a sós.
       "Agora isso é entre nós dois apenas, baby. Eu sei o que você quer, mas não vou deixar isso acontecer."
       "Você realmente acha que tem como me impedir? Você viu o que aconteceu com os que vieram antes de você."
       "Mas comigo é diferente. Você vai jogar pelas minhas regras."
       Antes de ter tempo de responder, fui interrompida pelo imbecil do meu marido que descia as escadas atrapalhado pelo álcool. Vou ajudá-lo e abraço seu pescoço.
        "Querido, está tarde, será que você podia mandar seu amigo voltar outro dia?" − digo no maior charme da manipulação feminina.
       "Claro, querida. Humphrey, lamento dizer que está tarde demais e nós queremos dormir. Vamos combinar um poker semana que vem?"
       "Eu entendo. Vamos combinar sim, Herb, até mais. Até mais....senhora." − se despede com certo desprezo.
       "Até mais, senhor Humphrey." − falo com meu sorrisinho de satisfação no canto dos lábios.        Vejo Bogie sair de casa e entrar em seu carro. Herbert me abraça e beija meu pescoço enquanto eu espio pela janela o fracassado ir embora. "Até mais, darling", penso.
       E enquanto o carro dele vira a esquina, Herbert fica com a cara vermelha, as veias do pescoço e da testa saltadas e olhar vidrado. Pego o copo dele do chão e vou até a cozinha pegar uma toalha.
         "Oh, Herbert...que pena que você não controlava sua bebida...tampouco o que sua própria mulher poderia colocar nela".

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